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- Influenciadores digitais estão usando animais silvestres como pets para ganhar seguidores e lucrar nas redes sociais.
- O objetivo da notícia é alertar sobre os impactos negativos dessa prática, incluindo multas do Ibama e riscos aos animais.
- Essa exposição incentiva o tráfico de animais e pode prejudicar a saúde e o bem-estar das espécies silvestres.
- Casos como o da capivara Filó e da jaguatirica Pituca mostram como a prática gera repercussão e debates na sociedade.
O uso de animais silvestres nas redes sociais por influenciadores digitais tem gerado debates e polêmicas. Um levantamento da BBC News Brasil identificou 175 multas do Ibama que mencionam redes sociais na descrição e a exploração de imagens desses animais. Casos como o de Agenor Tupinambá com a capivara Filó e Luh da Roça com a jaguatirica Pituca ganharam grande repercussão, levantando questões sobre a criação, exposição e bem-estar desses animais.
O caso de Agenor Tupinambá ganhou notoriedade em 2023, quando o Ibama apreendeu a capivara Filó, criada por ele como animal de estimação. A alegação era que Filó estava sendo exibida indevidamente nas redes sociais e criada em condições inadequadas. O Ibama argumentou que Tupinambá estava “adquirindo seguidores expondo sistematicamente a fauna silvestre em seus perfis de forma irregular, sem licença ambiental para a atividade”.
Tupinambá recorreu à Justiça e conseguiu a guarda de Filó, que permanece com ele até hoje. O juiz responsável pelo caso entendeu que a capivara “vive em perfeita e respeitosa simbiose com a floresta” e que “não é a Filó que mora na casa de Agenor, é o autor (Agenor) que vive na floresta.” A defesa do influenciador argumentou que ele “jamais buscou a fama” e que seus seguidores cresceram organicamente após um vídeo viral com Filó.
Esse caso catapultou Agenor para a fama, rendendo-lhe entrevistas em programas de TV e até um espaço em uma revista de celebridades. Além disso, um projeto de lei foi proposto na Câmara dos Deputados para descriminalizar a posse e criação de animais silvestres não ameaçados de extinção, aguardando votação na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável.
Atualmente, Agenor Tupinambá possui 1,7 milhão de seguidores no Instagram e 1,8 milhão no TikTok, mais que o dobro do que tinha na época da multa do Ibama. Ele trancou a faculdade de agronomia, mudou-se para um sítio no Amazonas e trabalha exclusivamente com a internet, levando Filó consigo.
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Agenor afirma que faz publicidade para empresas locais e tem contrato com um site de apostas. Apesar de algumas críticas, ele garante que não usa a imagem de Filó diretamente nos anúncios. “Nunca ganhei nada em cima dela, do que eu postava com ela. Depois, meses depois que tudo aconteceu, foi aí que comecei a trabalhar com a internet”, explicou.
O Impacto da Exposição de Animais Silvestres nas Redes Sociais
Para um servidor do Ibama, o desfecho do caso Filó transmitiu uma “mensagem equivocada” para a sociedade, com reflexos nas redes sociais. A cada apreensão de animal silvestre divulgada, a instituição recebe inúmeros comentários negativos. Em geral, as situações envolvem outros influenciadores que exibem animais criados como pets, o que é considerado inadequado pelas autoridades, que alegam que muitos lucram com essa exposição indevida.
Um levantamento da BBC News Brasil identificou pelo menos 175 autos de infração do Ibama que citam redes sociais na descrição da multa e a exploração da imagem de animais silvestres. Metade dessas multas foi aplicada nos últimos cinco anos. Uma lei de 2008 define como infração ambiental “explorar ou fazer uso comercial de imagem de animal silvestre mantido irregularmente em cativeiro ou em situação de abuso ou maus-tratos”, com multas que podem chegar a R$ 500 mil.
Segundo Bruno Campos Ramos, do Ibama, as redes sociais se tornaram uma nova fonte de lucro para o tráfico de animais. “Quando algum desses influenciadores que tem animal silvestres faz sucesso, a gente até vê a alegria dos traficantes. É como se um artista estivesse divulgando um tênis, um carro. As pessoas assistem e querem ter um também”, afirma.
Ele cita o caso da modelo Nicole Bahls, que teve filhotes de macaco-prego apreendidos após exibi-los nas redes sociais. As autoridades descobriram que os documentos que comprovavam a legalidade dos animais eram falsos, o que desencadeou uma operação sobre tráfico de animais silvestres no Rio. “É uma cadeia em que várias pessoas ganham dinheiro. Tem o advogado, que entra na Justiça nas situações em que apreendemos os animais para conseguir devolução. Tem o influenciador, que ganha repercussão na internet e depois começa com patrocínio de bet [aposta] e monetização de views e curtidas”, explica Ramos.
Bahls declarou que “não tinha consciência” de que o documento era falsificado e que aprendeu que “mesmo sendo legalizado, não é legal. Porque incentiva e causa morte e muita dor no meio desses animais”. Ramos acredita que há uma incompreensão sobre o trabalho do Ibama. “Recebemos uma crítica muito exacerbada. As pessoas acham que entendem do assunto. Esses não são animais para serem criados como pet.”
A Jaguatirica Pituca e as Ameaças aos Servidores do Ibama
Outro caso que gerou polêmica foi a apreensão de uma jaguatirica no Pará, apelidada de Pituca. O Ibama divulgou um vídeo mostrando que o animal apresentava deficiência nutricional crônica, pelagem sem brilho e lesões. “A pessoa que se apossou do animal o exibia nas redes sociais como se tudo estivesse bem, mas a realidade era outra”, escreveu o Ibama na publicação.
A repercussão nas redes sociais foi intensa, com muitos comentários defendendo a influenciadora e afirmando que o animal não era maltratado. Uma das respostas dizia que a jaguatirica “vivia livre na fazenda, sumia nas matas e voltava quando queria. Agora ela está definhando em uma jaula no Ibama. Quem é que está causando maus tratos?”.
A situação escalou para ameaças aos servidores do Ibama no Pará. Um servidor relatou que houve uma “onda contínua de repúdio às ações do Ibama” e “ameaças de agressão física”, inclusive nas páginas pessoais dos servidores. “As pessoas têm relação tão grande com esses influencers que se acham amigos dessas pessoas. É um negócio calçado na emoção, não na razão”, disse o servidor, que informou que as ameaças foram encaminhadas para a Polícia Federal investigar.
A Defesa da Influenciadora Luh da Roça
A jaguatirica Pituca estava em posse de Luciene Candido, conhecida como Luh da Roça nas redes sociais, onde tem mais de 200 mil seguidores no Instagram e quase 500 mil no Facebook. Pituca era exibida em vídeos ao lado de outros animais e bebendo em uma mamadeira, com algumas publicações alcançando quase 1 milhão de visualizações.
Em um vídeo anterior à apreensão, a influenciadora afirmou que o animal podia se movimentar livremente na fazenda e que não sobreviveria se fosse solta na natureza. “Pessoal fica marcando autoridade nos meus vídeos, realmente eu não entendo. Ela não está sendo maltratada, não está passando fome, não vive em apartamento”, disse.
Ela ainda argumentou: “Acho que o desejo deles [que denunciam] é autoridade vir, recolher ela, levar para um cativeiro e aí depois de um certo tempo, ‘ah, ela treinou, está pronta para ir para o habitat dela’. Aí chega no habitat dela simplesmente ela vai e morre. Possibilidade dela viver aqui em casa é de 20 anos. Lá no habitat dela, é 10. Quem fica questionando, criticando, nem sabe disso.”
Roberto Cabral, analista ambiental do Ibama, esclarece que os centros de triagem “não são o destino final do animal. É lá que eles serão recuperados, onde se faz uma reabilitação. É como se fosse um hospital. Transitório, para preparar o animal para viver em liberdade.” A jaguatirica foi encaminhada ao Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas) e, segundo o instituto, apresentava problemas na pelagem, parasitas e perda dos caninos do lado esquerdo.
Após a apreensão, Candido admitiu saber que não tinha autorização para ficar com o animal. “Estou agoniada, estou nervosa, estou triste. Infelizmente para quem estava torcendo contra, marcando as autoridades para vir busca a Pituca, vieram”, lamentou em uma publicação. “Tá certo que eu não tenho autorização, mas eu salvei a vida dela. Eu não fui na natureza caçar ela pra levar pra casa.” Candido também divulgou vídeos críticos à apreensão, usando inclusive inteligência artificial para ilustrar autoridades prendendo o animal em uma jaula.
A Meta informou que não permite “conteúdos que coordenem, ameacem, apoiem ou admitam atos que causem danos físicos contra animais, e removemos tais conteúdos quando tomamos conhecimento deles em nossas plataformas.” A empresa também incentiva as pessoas a denunciarem conteúdos e contas que violem suas políticas.
O Lucro por Trás dos Vídeos de Animais Silvestres
Um estudo científico de 2023 na revista Biological Conservation analisou o uso de animais silvestres nas redes sociais e o lucro gerado para os criadores de conteúdo. A pesquisa examinou cerca de 400 vídeos no YouTube de 39 países, revelando um grande interesse nesse tipo de conteúdo: os vídeos somaram quase 1 bilhão de visualizações e 8,5 milhões de curtidas.
Pelo menos 114 vídeos foram monetizados por 155 anunciantes, com um lucro médio de US$ 10 mil dólares (cerca de R$ 56 mil). Crianças participaram de 61 produções. Entre os vídeos analisados, havia exemplos de crueldade explícita contra animais. No Brasil, os maus-tratos aparecem de forma mais “velada”, segundo Antonio Carvalho, especialista em combate ao tráfico de animais silvestres da Wildlife Conservation Society (WCS) Brasil.
“Vimos muitos vídeos de animais na fila de matadouro e gente que comemora isso. No Brasil o que viraliza mais são vídeos de animais fofinhos, que aparentemente não demonstram algum tipo de crueldade. O caso da capivara Filó e da jaguatirica são as cerejas do bolo do que o brasileiro gosta de ver”, explica Carvalho. Para o especialista, o primeiro dano causado por esse tipo de conteúdo é o incentivo ao tráfico de animais silvestres. “Se o influencer está ficando famoso, indo para a televisão, quem assiste pensa em fazer a mesma coisa. Consequentemente, muitos outros animais começam a ser buscados, para atrair engajamento e entrar nesse círculo vicioso.”
Embora não haja um sofrimento evidente nesses vídeos virais com animais silvestres criados como pets, Carvalho avalia que há outros danos não mostrados. “No caso da jaguatirica, que vimos recentemente, a questão nutricional estava muito abalada. Isso é recorrente. O animal, quando não está em vida livre, quando não está naquele nicho em que a espécie está adaptada, tem todo o sistema imunológico modificado. Quantidade de hormônios, de stress, tudo fica mais elevado.”
Carvalho finaliza dizendo que a crítica recorrente ao Ibama acontece porque, à primeira vista, parece que estão tirando um animal doméstico de quem está cuidando, algo distante da realidade. “Os servidores, via de regra, dão a vida para resgatar esses animais.” O YouTube afirmou que suas diretrizes da comunidade “proíbem estritamente vídeos com maus-tratos a animais” e que vídeos que violam essas diretrizes não são elegíveis para monetização.
Primeira: Este conteúdo foi auxiliado por Inteligência Artificial, mas escrito e revisado por um humano.
Segunda: Via G1