Niéde Guidon, arqueóloga do Parque Serra da Capivara, falece aos 92 anos

Niéde Guidon, renomada arqueóloga do Parque Serra da Capivara, faleceu aos 92 anos. Conheça seu legado e seu desejo de ser homenageada no parque.
Atualizado há 13 horas atrás
Niéde Guidon, arqueóloga do Parque Serra da Capivara, falece aos 92 anos
Niéde Guidon, pioneira da arqueologia, eterniza seu legado no Parque Serra da Capivara. (Imagem/Reprodução: Redir)
Resumo da notícia
    • Niéde Guidon, arqueóloga conhecida pelo trabalho no Parque Serra da Capivara, faleceu aos 92 anos.
    • Ela desejava ser homenageada no parque após sua morte, como forma de conexão com os que ali viveram antes.
    • Seu legado na arqueologia e na preservação do parque impacta a ciência e a cultura brasileira.
    • A história de vida de Niéde inspira discussões sobre preservação ambiental e valorização do patrimônio histórico.
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Na última terça-feira, 3 de junho, a arqueóloga Niéde Guidon, conhecida por seu trabalho no Parque Nacional Serra da Capivara, no Piauí, faleceu aos 92 anos. Em 2021, a pesquisadora revelou que desejava morrer no parque, como uma forma de homenagear aqueles que ali viveram antes dela. Acompanhe os detalhes sobre a vida e o legado da cientista.

A vida de Niéde Guidon no parque

Na manhã de sua morte, Niéde Guidon acordou com dores no peito e na garganta. Sua enfermeira administrou dipirona. Durante o almoço, ela comeu pouco, apenas um pedaço de peixe, mas não dispensou o aperitivo e o vinho. À tarde, tomou um chá e, à noite, uma sopa e seu último cálice.

Após a meia-noite, a enfermeira chamou Isabela de Souza, empregada da casa por mais de 20 anos, que compartilhava com Niéde o amor pelos animais. Nenhuma das duas se casou ou teve filhos. Isabela não queria correr o risco de sofrer violência doméstica, enquanto Niéde, com seu humor característico, dizia que só aceitaria crianças “se fossem assadas, com maçã na boca”.

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Aflita, a enfermeira pediu ajuda, pois “a doutora” estava passando mal. No quarto, tentou medir a pressão e verificar os batimentos, mas não obteve resposta. Isabela seguiu as ordens, tentando reanimá-la, mas em vão. Chamaram o SAMU, que chegou tarde demais. Niéde sofreu um infarto. O silêncio tomou conta do ambiente, e até os animais pareciam sentir a diferença. Isabela, ao se deparar com a cena, sentiu um frio na barriga: “Meu Deus, a velhinha se foi, e agora?”.

A notícia da morte de Niéde chegou na véspera de uma viagem para São Raimundo Nonato, no Piauí. A arqueóloga andava desanimada e incerta sobre receber visitas. Para tentar reverter a situação, a jornalista Adriana Abujamra saiu em busca de um vinho francês para levar como presente.

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O acesso ao terreno onde ficam os laboratórios de arqueologia, botânica, paleontologia, zoologia, a casa de Niéde e o Museu do Homem Americano era feito por uma cancela operada apenas por mulheres. Na multidão que homenageou a arqueóloga, destacavam-se as guariteiras, que ganharam autonomia e se livraram de maridos violentos quando Niéde as contratou para as portarias do parque.

A placa com os dizeres do inferno de Dante

Naquela manhã de dezembro de 2021, tudo estava fechado e silencioso. As vacinas contra a Covid já circulavam, mas a vida ainda não havia voltado ao normal. No portão de madeira, uma placa exibia a frase do inferno de Dante: “Lasciate ogni speranza, voi che entrate” – deixai toda esperança, vós que entrais.

A partir dali, Adriana Abujamra passou a visitar Niéde todas as manhãs. Às vezes, conversavam por horas, outras vezes, a arqueóloga preferia silenciar sobre o passado: “Desperdicei minha vida”, disse certa vez. “Esqueci tudo, e pronto.” A franco-brasileira se lamentava por ter trocado Paris por uma cidade no sertão, onde se dedicava ao Parque Nacional Serra da Capivara, constantemente em busca de recursos para o projeto. “Largo tudo e volto para Paris” virou seu mantra.

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Com o tempo, Niéde criou raízes no Brasil, adotando o acento agudo no “e” de seu nome. Em 2018, despediu-se da presidência da Fundação Museu do Homem Americano (Fumdham) e da direção de automóveis. Sua única saída era ir ao banco para fazer a prova de vida.

Através das paredes de vidro, observava as borboletas amarelas e o tempo passar. Na seca, a caatinga ganhava um tom esbranquiçado, e depois, com a chuva, os mandacarus se abriam e a vegetação renascia. Outra distração era observar a disputa de território entre os cães e o gato. “Cuidado, o bichano vai te pegar”, avisava, rindo.

Os documentos pessoais de Niéde Guidon

Num dia qualquer, com o cheiro da galinhada no ar, Adriana Abujamra pediu para ver uma pasta com a etiqueta “Documentos Pessoais”. Niéde resistiu, mas acabou cedendo. Dentro da pasta, havia fotos de amigos e da mãe, além de sua carteirinha da Sorbonne e o diploma do curso de história natural, de 1958. No fundo, Niéde puxou um papel amassado e leu em voz alta as orientações que deixou para o próprio funeral.

A arqueóloga não queria velório, reza, padre ou ministro. Não queria ninguém junto ao corpo. Se morresse no Piauí, não queria caixão nem cremação. Preferia ser levada ao Parque Nacional Serra da Capivara, como uma última homenagem aos que vieram antes. Ela se queixava de que ninguém aceitava seu plano e dizia que, se pressentisse a morte e tivesse condições, iria sozinha, deitaria no parque e deixaria que os bichos a comessem. “Ao menos assim teria alguma serventia”, disse.

O plano não foi executado. Na manhã de 5 de junho, aniversário do parque e Dia Mundial do Meio Ambiente, Niéde foi enterrada no próprio quintal, como fizera antes com os animais de estimação que teve ao longo da vida. O legado de Niéde Guidon para a ciência e a arqueologia é inestimável, como reconheceu o Governo do Piauí, que decretou luto oficial de três dias.

Este conteúdo foi auxiliado por Inteligência Artificial, mas escrito e revisado por um humano.

Via Folha de S.Paulo

André atua como jornalista de tecnologia desde 2009 quando fundou o Tekimobile. Também trabalhou na implantação do portal Tudocelular.com no Brasil e já escreveu para outros portais como AndroidPIT e Techtudo. É formado em eletrônica e automação, trabalhando com tecnologia há 26 anos.