Por que a letra dos médicos é tão ruim? A ciência explica

Entenda os fatores científicos e culturais por trás da caligrafia dos médicos e como isso afeta o dia a dia.
Atualizado há 1 minuto atrás
Por que a letra dos médicos é tão ruim? A ciência explica
A caligrafia médica revela ciência e cultura que impactam a rotina de todos. (Imagem/Reprodução: Redir)
Resumo da notícia
    • A caligrafia dos médicos é frequentemente difícil de decifrar, gerando desafios na leitura de receitas.
    • O objetivo é explicar os fatores neurológicos e culturais que influenciam a escrita dos médicos.
    • Você pode entender melhor por que algumas pessoas têm caligrafia ilegível e como isso impacta a comunicação médica.
    • Estudos mostram que a prática reduzida de escrita à mão e a pressa contribuem para a má caligrafia.
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É comum ouvir que a caligrafia de muitos médicos é praticamente indecifrável, tornando as receitas um desafio. Essa fama é tão grande que virou até uma expressão popular. Mas, por que a letra de médico é tão ruim? Estudos da neurociência podem ajudar a entender os fatores que influenciam a nossa escrita.

Diversos estados no Brasil criaram leis que exigem que as receitas médicas sejam digitadas ou, ao menos, apresentem uma caligrafia legível e sem abreviações. Mas, afinal, o que explica a nossa forma de escrever? Por que algumas pessoas têm uma caligrafia impecável, enquanto outras lutam para produzir algo minimamente compreensível?

A coordenação motora e a individualidade da Letra de médico

A antropóloga Monika Saini, do Instituto Nacional de Saúde e Bem-Estar da Família da Índia, explica que escrever à mão exige uma coordenação complexa entre os olhos e as habilidades motoras. “Eu diria que a escrita é uma das mais complicadas habilidades desenvolvidas pelo ser humano”, afirma Saini.

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O principal foco de Saini é entender os fatores que tornam a caligrafia de cada pessoa única. “A escrita depende de utensílios e de nossas mãos. E, quando pensamos nas mãos, falamos de algo muito delicado, composto de 27 ossos, que são controlados por mais de 40 músculos, a maioria deles localizados no braço e conectados com os dedos através de uma intrincada rede de tendões”, detalha.

Isso significa que a caligrafia é influenciada pela anatomia e pelas características genéticas que herdamos. A altura, a postura ao sentar, o ângulo do papel, a firmeza da mão e a dominância (ser destro ou canhoto) são fatores que moldam a forma das letras e palavras.

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Além disso, a influência cultural também é relevante. Aprendemos a segurar lápis e canetas em casa, geralmente com o auxílio de familiares. A forma como eles utilizam esses instrumentos acaba sendo transmitida, influenciando nossos primeiros traços.

A escola também tem um papel importante, com a influência de professores e colegas de sala de aula. Com o tempo, a tendência é que a caligrafia continue a mudar, especialmente porque muitos de nós escrevem menos à mão no dia a dia. A falta de prática, combinada com a pressa, pode levar a uma menor preocupação com a precisão das letras.

Não podemos esquecer o impacto das novas tecnologias, que aumentam o tempo que passamos digitando em vez de escrever à mão. Em uma de suas pesquisas, Saini buscou entender os fatores mais importantes na caligrafia de cada indivíduo.

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Para isso, ela criou um texto simples sobre mudanças climáticas e pediu a um grupo de voluntários que copiassem as frases, usando seu estilo de escrita habitual. Ao analisar os manuscritos, a antropóloga avaliou elementos como o tamanho da letra, o formato de cada símbolo, o espaço entre as palavras e a regularidade das linhas nos parágrafos.

“Com auxílio de programas de reconhecimento de imagens, foi possível comparar as escritas com o padrão que eu havia compartilhado anteriormente”, explica Saini. “Quando o pai ensina as habilidades de escrita para seu filho, existe uma alta probabilidade de encontrarmos alguma similaridade entre as duas caligrafias.”

“Mas a letra de uma pessoa também é influenciada pelo tempo de escola ou pelo estilo de um professor em particular”, completa a pesquisadora.

O cérebro por trás da escrita manual

A neurocientista Marieke Longcamp, da Universidade de Aix-Marselha, na França, estuda os mecanismos cerebrais envolvidos na escrita. Ela utiliza aparelhos de ressonância magnética para observar o cérebro de pessoas enquanto escrevem.

Em uma de suas pesquisas, voluntários usaram um tablet que registrava os movimentos da escrita manual enquanto eram examinados. Longcamp observou a ativação de diversas áreas do cérebro, que trabalham em conjunto para possibilitar a escrita.

“Regiões como o córtex pré-motor, o córtex motor primário e o córtex parietal estão envolvidas no planejamento e no controle de gestos manuais”, detalha Longcamp. “Há também influências de estruturas da base do cérebro, como o giro frontal, que está envolvido em aspectos da linguagem, e o giro fusiforme, que processa a linguagem escrita.”

“Uma outra estrutura fundamental aqui é o cerebelo, que coordena os movimentos e corrige nossos gestos”, complementa. A neurocientista explica que a caligrafia depende de dois sentidos principais: a visão e a propriocepção.

“A propriocepção leva em conta as informações que vêm dos músculos, da pele e do corpo todo. Isso tudo é codificado enquanto nós escrevemos”, explica.

Escrita e aprendizado

A tecnologia moderna pode estar alterando a forma como absorvemos informações. Durante séculos, a escrita à mão foi a principal forma de tomar notas, estudar, memorizar e aprender. No entanto, com a popularização de computadores, tablets e smartphones, muitas pessoas estão aprendendo a escrever em teclados e telas, e não mais com caneta e papel. Será que essa mudança afeta o aprendizado?

Karin Harman James, professora de Psicologia e Neurociências da Universidade de Indiana, busca responder a essa pergunta. Ela investiga como as mãos e a forma como manipulamos objetos influenciam o desenvolvimento do cérebro e o aprendizado.

Segundo James, há uma diferença significativa no funcionamento cerebral ao observar letras ou palavras e ao usar os sistemas motores do corpo para interagir com a informação escrita. “Me interessei em entender como a interação de objetos com as nossas mãos permite ativar sistemas motores cerebrais”, explica.

Em um experimento, James recrutou crianças de quatro anos que ainda não sabiam escrever. No laboratório, essas crianças aprenderam uma de três tarefas: completar traços para formar uma letra, digitar uma letra ou escrever uma letra à mão.

Após essa etapa, as crianças foram submetidas a uma ressonância magnética. “Nós mostramos às crianças diferentes letras, enquanto o cérebro delas era escaneado. Nesse momento, elas só precisavam olhar as letras que aprenderam a fazer no laboratório”, descreve a neurocientista.

“Observamos que as crianças que aprenderam as letras por meio da escrita à mão tiveram uma ativação cerebral em áreas relacionadas a essas habilidades. Isso não aconteceu nos outros dois grupos, que completaram os traços ou digitaram”, compara.

A relação entre caligrafia e aprendizado vai além. Em outra pesquisa, James avaliou estudantes universitários. A tarefa era participar de uma aula sobre um tema desconhecido e, em seguida, preencher um questionário sobre como tomaram notas.

No dia seguinte, todos fizeram uma prova sobre o conteúdo da aula. “Nós comparamos os resultados dos estudantes que tomaram nota à mão, no computador ou escreveram num tablet“, diz a pesquisadora.

Nas universidades americanas, é comum que os professores compartilhem os slides com os alunos. Alguns estudantes usam tablets para fazer anotações à mão diretamente nos slides. “No nosso trabalho, estudantes que usaram o tablet e escreveram na tela se saíram melhor nos testes”, relata James.

“Isso aconteceu provavelmente porque os alunos tinham não apenas o material original, nos slides, como podiam colocar suas próprias anotações diretamente ali, à mão.” “Mas a escrita com caneta e papel também se mostrou benéfica. Os voluntários que usaram esse método se saíram melhor do que aqueles que digitaram as anotações no computador”, acrescenta.

As evidências sugerem que, para realmente aprender algo, a melhor opção é escrever à mão, seja no papel ou em um tablet.

Dicas para melhorar a caligrafia

Após essa discussão, surge a pergunta: é possível melhorar a caligrafia? Cherrell Avery, instrutora de caligrafia em Londres, compartilha algumas dicas que podem ajudar. A primeira é “ir devagar”. Muitas vezes, a pressa nos impede de prestar atenção no formato correto das letras e palavras.

Avery também destaca a importância de entender o estilo de cada pessoa, para escolher o melhor instrumento de escrita, a forma correta de segurar a caneta ou lápis, a postura adequada e o tipo de papel. Com exercícios, é possível melhorar a caligrafia.

“É claro que uma única sessão de treinamento não é suficiente para obter mudanças significativas”, pondera Avery. No entanto, com persistência, é possível criar uma “memória muscular” que leva a um novo estilo de escrita.

“No início, isso é um esforço consciente. Mas, aos poucos, se torna um hábito e você nem pensa mais sobre essa nova forma de escrever”, garante. Avery ressalta que a escrita à mão ainda é importante porque representa uma “extensão de nossa personalidade”. “É como se deixássemos um pouco de nós mesmos naquela página.”

Este conteúdo foi auxiliado por Inteligência Artificial, mas escrito e revisado por um humano.

Via Folha de São Paulo

André atua como jornalista de tecnologia desde 2009 quando fundou o Tekimobile. Também trabalhou na implantação do portal Tudocelular.com no Brasil e já escreveu para outros portais como AndroidPIT e Techtudo. É formado em eletrônica e automação, trabalhando com tecnologia há 26 anos.