O site 4chan foi criado para ser apenas um fórum de compartilhamento de imagens. Mas acabou virando um dos mais influentes -e anárquicos- sites da internet: uma mistura caótica de conteúdo ilegal, vandalismo e trotes, berço de modinhas virais e reduto de hackers dispostos a fazer justiça com as próprias mãos
Eles arrombaram o e-mail de Sarah Palin. Transformaram fotos de gatinhos num negócio milionário. Encontraram gente que se escondia da polícia no outro lado do mundo. Derrubaram sites da indústria fonográfica. Ressuscitaram a fama de um cantor dos anos 80. Encheram o YouTube de pornografia. Desafiaram a cientologia – e nocautearam os inimigos do Wikileaks. Eles são os membros do fórum americano 4chan (4chan.org), que é uma espécie de rede antissocial: onde é possível interagir com outras pessoas sem nunca se identificar, à vontade para fazer qualquer coisa.
Mesmo que essa coisa seja apenas azucrinar uma celebridade. No ano passado, o site de promoções Faxo.com criou uma eleição que apontaria o próximo destino do ídolo Justin Bieber. Israel vinha tranquilo na ponta, até que em dois dias a Coreia do Norte pulou do 24º para o 1º lugar, com 659.448 votos. A embaixada nortecoreana no Reino Unido se manifestou, dizendo que iria conversar a respeito com Pyongyang. Mas peraí… Coreia do Norte? Lá o uso da internet não é proibido? Tudo não passava de um trote aplicado pelos usuários do 4chan, que odeiam Justin Bieber – já haviam dito que ele estaria com sífilis e tinha sofrido um acidente de carro, em mentiras fartamente divulgadas no Twitter. Um porta-voz do cantor teve que explicar que a promoção não tinha o consentimento de Bieber e que ele não iria à Coreia do Norte. Não satisfeito, o pessoal do 4chan criou mais um boato: “Justin Bieber odeia a Coreia do Norte”.
O 4chan enganou Oprah Winfrey, maior apresentadora da TV americana. Toda séria, ela leu no ar a preocupante notícia de um suposto grupo de pedófilos – que dizia ter “9 000 pênis, todos para molestar crianças”. Era uma informação falsa plantada pelo 4chan.
O ator Tom Cruise e sua religião, a cientologia, também foram alvos. A seita começou a perseguir o Youtube, exigindo que ele deletasse um vídeo de treinamento estrelado por Cruise.
Aí, usuários do 4chan decidiram reagir. Surgiu assim o Anonymous, movimento sem organização hierárquica, sem líderes claros (o termo “grupo”, inclusive, é repudiado) que orquestrou uma saraivada de ataques à cientologia – com direito a invasão de sites, trotes e passeatas em dezenas de cidades americanas. Mais recentemente, o Anonymous atacou a página da Mastercard e de outras empresas financeiras, que haviam bloqueado as doações ao site Wikileaks.
O 4chan não tem medo de política. Em 2008, o usuário David Kernel, conhecido como Rubico, conseguiu invadir o e-mail pessoal da então candidata republicana à vice-presidência dos EUA, Sarah Palin. O mais engraçado é como ele fez isso. Fuçou no Google, na Wikipedia e em sites de notícias, reunindo informações pessoais de Palin. Após 45 minutos de pesquisa, conseguiu se fazer passar por Palin no Yahoo Mail: respondeu corretamente a pergunta de segurança para recuperar a senha (“onde você conheceu seu marido?”), e pronto. Estava invadido o e-mail. “Eu mudei a senha para ‘pipoca’ e fui tomar um banho frio”, conta. Palin foi criticada por ter usado um email pessoal para falar de assuntos envolvendo o governo, mas o vândalo, que é filho de um deputado democrata, levou a pior – foi encontrado pelo FBI e condenado a um ano de prisão.
Esse celeiro de trotes e protestos é criação do novaiorquino Christopher Poole, 23, que usa o apelido virtual “moot”. Ele tinha apenas 15 anos quando montou o 4chan. Poole só queria um lugar para falar de mangás e animes, mas os feitos do site o levaram à fama. Hoje ele, que não gosta de dar entrevistas, é respeitado em ambientes como a Universidade de Yale e o Instituto Tecnológico de Massachusetts (MIT), deu palestra no fórum de tendências TED e já figurou na badalada lista das 100 pessoas mais influentes do mundo, da revista Time. Em mais um trote, o site da Time foi invadido por hackers do 4chan. Eles deram 16,7 milhões de votos falsos a Poole, garantindo a ele o primeiro lugar na eleição. Apesar da fraude, a Time convidou Poole para a festa do prêmio. E ele compareceu, cheio de ironia. “Foi a balada mais legal a que já fui”, disse à revista.
O 4chan é o maior fórum de imagens dos Estados Unidos, com 10 milhões de visitantes por mês (quase metade é americana). O site é subdividido em 49 canais temáticos, cada um nomeado com letras entre barras. O /tv/, por exemplo, é dedicado a televisão e filmes; /an/ é animais e natureza; /o/, auto, carros etc.
Não é preciso se cadastrar nem criar uma conta para participar. Isso facilita a velocidade com que tudo é publicado – são cerca de 1 milhão de posts por dia. De todos os canais, o mais famoso e polêmico é o /b/, onde vale quase tudo (com direito a muita pornografia).
É o lado negro do 4chan. Os /b/tards, como os usuários desse canal se intitulam, postam fotos de mutilações, deformações, perversões sexuais e mensagens de preconceito religioso e racismo. São coisas realmente terríveis, de dar nó no estômago. E também servem para espantar o câncer – termo usado para se referir aos novatos no site. O americano Joey Heft, 18 anos, é um típico usuário. “O legal de ser anônimo é que posso assumir múltiplas personalidades”, diz. E o que ele mais gosta de ver no site? “Peitos”.
Quando os anônimos se juntam por um objetivo em comum, são grandes as chances de estardalhaço. Tanto que nas empresas de segurança online há equipes destinadas a ficar de olho no 4chan. “Esse monitoramento visa a identificar possíveis alvos e formas para proteger clientes”, explica Fioravante Souza, especialista da Trendmicro. Os anônimos não dão trégua. Em 2010, apareceu no YouTube o vídeo de uma menina, à beira de um rio, jogando filhotes de cachorro na água. E o 4chan decidiu reagir. “Encontrem essa vadiazinha idiota e joguem-na no rio”, dizia um tópico criado no site. Com base somente nas imagens do vídeo (“ela é loira, tem cerca de 1,65m, é branca, usa um casaco vermelho com algo escrito que pode indicar a procedência da loja – e certamente tem Facebook”), começaram a investigar e conseguiram a proeza de desmascarar a menina, antes mesmo da polícia do país dela, a Bósnia. A agressora foi multada em cerca de R$ 11 mil.
O Youtube também é alvo constante dos anônimos. Quando se irritam com o site, os /b/tards promovem o dia pornô do Youtube. No terceiro e último ataque, em janeiro do ano passado, eles se revoltaram com a remoção de vídeos do usuário Luke Taylor, um menino de 8 anos fã de Mario que estava se tornando novo ídolo do 4chan, estimulado por centenas de comentários anônimos a fazer mais e mais vídeos. Mas o Youtube decidiu desligá-lo, porque a idade mínima para ter uma conta é 13 anos. O plano de vingança consistia em usar o editor de vídeos do Windows para mesclar material pornográfico com desenhos animados e videogame, criar muitas contas no Youtube e subir os vídeos usando títulos nada suspeitos. Haja peladonas em clipes do Jonas Brothers!
“É tudo pelo simples prazer de zoar”, resume um usuário brasileiro, que prefere ser chamado de “anão” (a palavra anonymous abreviada para “anon”, que no Brasil ganhou a tradução marota “anão”), que diz ter participado de um trote que espalhou a notícia falsa da morte do baixista da banda Fresno, Rodrigo Tavares, em 2009. “O objetivo é ser escroto”, resume.
FÁBRICA DE MEMES
Mas não são todos os usuários do 4chan que curtem aloprar a internet. Muitos estão lá para se divertir com vídeos e fotos que nada têm de perverso. Nos últimos anos, o 4chan deu à luz muitos memes (modas efêmeras que se espalham como rastilho de pólvora na internet). Como as imagens de gatos em poses fofas com frases sem sentido, os “lolcats”. Tudo começou em 2007, quando surgiu o Caturday, dia dedicado aos gatos no 4chan. A coisa ficou tão popular que um usuário do site criou o blog Icanhazcheezburger.com, que é dedicado a fotos de gatos e foi vendido por US$ 2 milhões. “Eu me lembro quando memes como ‘epic fail’ (expressão usada para se referir a uma burrada ou trapalhada de grandes proporções) apareceram no 4chan. Agora eles estão em toda a web”, conta o estudante Filipe do Couto Paula, 20, com uma ponta de orgulho de quem viu algo virar moda.
No Brasil, um grande celeiro de memes é o fórum “Vale Tudo”, do UOL Jogos. Foi de lá que Paulo de Campos, mais conhecido como Lorde Eternal ou Paulinho Pokémon, por pouco não virou celebridade adolescente. Os membros do fórum criaram uma campanha que colocou o gordinho e trintão Paulo no topo da “Batalha de Colírios”, promovida pela CAPRICHO em 2010. Como ele tem (bem) mais de 18 anos e sua campanha teve uso de robôs para bombar os votos, Paulo foi eliminado. “Tudo bem, eu me diverti muito. Mas se tivesse ganhado minha vida não teria mudado, pois nunca conseguiria viver no mundo da moda”, confessa o quase astro.
O 4chan também ressuscitou o cantor Rick Astley, astro dos anos 80. Tudo graças a uma brincadeira chamada Rickroll, que consistia em citar um link supostamente interessante – mas que na verdade levava ao clipe da música “Never Gonna Give you up”. Uma bobeira, mas que ganhou proporções enormes: uma pesquisa do instituto SurveyUSA indicou que cerca de 18 milhões de pessoas foram “rickroleadas”.
Os feitos, os memes e até os inimigos do 4chan estão registrados na Encyclopedia Dramatica (encyclopediadramatica.com), uma espécie de Wikipédia do submundo da internet. O site também lista e explica as 47 “regras da internet”, criadas pelos anônimos nos primórdios do 4chan. A primeira regra da internet é “não fale sobre /b/”. A segunda é “não FALE sobre /b/” (é, Clube da Luta também é referência constante para eles). Além das duas, a regra mais conhecida é a 34: “se uma coisa existir, há uma pornografia dela, sem exceções” (ou seja, tudo que está na internet tem uma versão pornô).
Outros mandamentos deles são “nada deve ser levado a sério” e “sempre haverá uma m***a maior do que a que você acabou de ver”. É verdade. Seja para fazer um protesto, criar uma moda, dizer algo obsceno ou simplesmente zoar alguma coisa, os 4channers estão em toda parte. Um dia, quem sabe, Kim Jong-Il, cujo filho é notório admirador de Eric Clapton, receba Justin Bieber em sua Coreia do Norte. Aí sim seríamos surpreendidos novamente com um “epic troll”.